ACREDITEM! MAS, AINDA EXISTEM DIVERGÊNCIAS, E DISCRIMINAÇÃO, SOBRE O ASSUNTO!

História da psiquiatria no Brasil.


Autor: Dr. F. Beines

A partir de uma proposta do Hospital Jurujuba de Niterói de apresentar uma monografia comparando os sistemas de saúde brasileiros e argentinos, eu fiquei muito tempo pensando por que tinha havido reforma psiquiátrica no Brasil e não na Argentina. Mas nesse sentido, como fazer possível uma comparação das evoluções das práticas? Para resolver estas questões torna-se necessário uma olhada histórica sobre os processos de mudança, demarcando assim uma lógica que ilumine as diferenças entre os sistemas de saúde atuais. Mas um olhar que tenha como eixo a geografia, para simplificar e assim continuar a pesquisa que começaram os usuários do CAPS.

Os momentos históricos da comparação serão divididos em 3: um momento fundacional das psiquiatrias com a prática de internação, coincidentes além do pouco contato dos especialistas dos dois países; um segundo momento de intercambios; e um último momento, chegando até a atualidade, que aparece a simples vista como de afastamento.

A perspectiva geográfica permite outra reconstrução, que completa a histórica e permite aprofundar na comparação. Assim, a perspectiva geohistórica indaga o grau de determinação da geografia no desenvolvimento humano, e também a ação do homem sobre aquela geografia. Diversas estruturas compõem o percurso geohistórico das adaptações dos modelos européios no Brasil e Argentina, das quais analisaremos as seguintes:

O movimento social: as práticas estabelecendo-se, assim como as manifestações populares ao respeito, compõem um primeiro momento, que desemboca geralmente em algum tipo de legislação ou mudança no plano oficial. Essaenunciação legislativa funda uma ordem territorial ao estabelecer a sua jurisdição. Isso pode bem àconstrução de instituições que só serão ratificadas quando, ao nivel geohistórico sofram ampliaçõessignificativas. Nem Bicêtre nem a Salpetrière foram fundados de forma definitiva, sendo tal vez mais importante o momento da ampliação que Castel (1978) aponta aconteceu no principio do século XIX.

Esta redução teórica tem como objetivo o tratamento destes fatos históricos, não tentando ser linear. De fato quando a linearidade é quebrada será quando as mudanças aconteçam. As práticas estabelecidas rara vez são substituídas completamente, sendo a coexistência delas e aquela não linearidade os objetos deste estudo comparativo entre dois sistemas de saúde mental -que ao mesmo tempo será ilustrativo de algumas diferenças entre a psiquiatria asilar e os movimentos de reforma.

Resulta importante destacar que um olhar geohistórico constitui apenas um meio para a deconstrução das práticas psiquiátricas concebidas no primeiro lugar como fato social, não pretendendo tanto ser uma explicação como uma guia.


Psiquiatria asilar: periodo coincidente

O roteiro pode bem começar nas cidades capitais daquele momento: Rio de Janeiro e Buenos Aires. Segundo Roberto Machado (2002), com o avanço não planificado da cidade os loucos terão seu destino nos hospitais, asilos de mendigos e nas cadeias das antigas Cámaras (chamadas Cabildos na Argentina, antes da independência). Com os processos de 1822 no Brasil e 1810 na Argentina, as idéias importadas da Europa seguem fazendo sucesso, não só na organização política, mas também nos estilos de vida. Por outro lado, Pereira (2006) afirma que o planejamento da cidade começa com a ação dos higienistas no século XIX no Rio de Janeiro, falando que a razão iluminista chega a inventar o urbanismo na Europa -trazido justamente a América do Sul pelos médicos. A Sociedade de Medicina arruma uma Comissão de Salubridade e a cidade passará a ter saúde, doença e funcionar como um corpo.

Em Buenos Aires, Diego Alcorta faz a primeira tese de doutorado sobre um tema psiquiátrico, chamada: “Dissertação sobre a mania aguda”, no ano 1830, tendo a Pinel como a primeira referência. Nesses meses acontece no Rio de janeiro um censo dos loucos, organizado por outra comissão da Sociedad de Medicina. Isso constitui, segundo Paulo Amarante (1991), a primeira referência da medicalização da loucura, tal como acontecia na França.


Aquele é, por tanto, o contexto do inicio da institucionalização da loucura. Tanto na Argentina como o Brasil, esse inicio tem relação com as primeiras organizações de beneficência.
Agora é, então, que o percurso geográfico vai se especificar ainda mais, dentro das cidades que tem que lidar com os loucos. É o segundo momento, aquele da enunciação legislativa.

Segundo Pereira (2006), o Hospício Pedro II e o atual cemitério São João Batista são planejados em Botafogo por ficar na periferia da cidade –mas não fora da cidade. Na realidade, o hospício será inaugurado no ano 1852 na Praia Vermelha do Rio de Janeiro, a poucos centos de metros do lugar onde Estácio de Sá fundou a cidade primitiva. O hospício dependia num inicio da Santa Casa da Misericordia e dos religiosos que a administravam.

É o primeiro manicômio de América do Sul, e surge também pelo maltrato que os loucos sofrem nos porões da Santa Casa, segundo Teixeira (1998). O decreto para a fundação do hospício foi do 18 de julho de 1841, no momento da solene coroação do Imperador Pedro II, mostrando assim para Europa que o Brasil também era moderno (Teixeira, 1998). Onze anos apos do decreto, a nova construção é monumental, o mobiliário e as instalações de qualidade somente são para pensionistas particulares (Amarante, 1991).

Dos anos depois da inauguração do Pedro II, a Sociedade de Beneficência da Argentina inaugura o primeiro hospício psiquiátrico, chamado Hospital Nacional de Alienadas, que ja fora planejado no ano 1852. O lugar fica também a menos de um kilometro do lugar onde a primitiva Buenos Aires foi fundada mais de 300 anos antes. Com aqueles 3 séculos, tanto a burguesia argentina como a brasileira achava nesses lugares novos bairros para morar ou para ter um sitio (atuais Botafogo e San Telmo). Ruinas duma parede do atual prédio da UFRJ, na da Praia Vermelha, datam do século XVI (Cláudio Henrique, 2004), mostrando que o local do hospício foi habitado desde cedo, tal vez por soldados de Estácio de Sá.


Quando Rio de Janeiro foi mudado por Mem de Sá para o Morro do Castelo, o hospital geral foi construído bem perto, na beira mar. Em Buenos Aires, também foi inaugurado o Hospital San Martín perto do porto, para facilitar o atendimento dos doentes de ultramar, provavelmente planejado para evitar o espetáculo dos pacientes caminhando pelas ruas. Uma certa idéia de como a cidade seria no tempo foi o que levou a estas mudanças, nas duas cidades, para zonas mais altas, sem se afastar dos portos, onde tiver espaço para acrescentar ruas e prédios e fundar, assim, um centro e uma periferia.

Então a loucura acha o seu lugar na volta para as cidades primitivas, tendo assim uma nova fundação. Aquelas construções vão precisar ser usadas para sobreviver até nossos dias. Para isso foram necessárias melhoras arquitectonicas que só aconteceram apos duma ampliação no nível teórico, académico. Então, dentro da instituição, a cadeira de “Doenças Nervosas e Mentais” surge em 1881. Na realidade, segundo Freire Costa (1989), é só em 1886 que o ensino começa para os médicos, no momento que um generalista, Nuno de Andrade, passa a chefiar o Hospício Dom Pedro II: pela primeira vez os religiosos da Santa Casa deixam a condução. É o mesmo ano da criação da cadeira de Patología Nervosa em Buenos Aires.

Alí, as paredes dos hospícios são derrubadas, mas ninguém tem a idéia de liberação; só desabaram para construir outras paredes mais abrangentes, chegando a ter até 3000 leitos entre os hospícios masculino e feminino de Buenos Aires. As primeiras reformas do Hospício das Mercedes foram feitas na década de 1870, en na seguinte até o final do século, varias vezes foi acrescentado o Hospício Nacional de Alienadas (Ingenieros, 1917), com os decretos e o dinheiro liberado do governo de Buenos Aires. Naqueles útlimos anos do século tem vários projetos de lei do legislador Montes de Oca que ainda não são implementados.

No Brasil, no ano 1903 é emitido o decreto 1132, constituindo-se uma Lei Federal de Assistência aos Alienados (Teixeira, 1998). Agora a jurisdição é nacional.
Como volta isso para a geografia? Quais são as consequências para as psiquiatrias brasileira e argentina? A primeira mudança daquelas práticas e tendências tão instaladas nos dois países, pode ser a virada de uma psiquiatria francesa clássica a outra tendência européia asilar, a alemã. No Brasil é Juliano Moreira quem quebra a continuidade do legado de Teixeira Brandão (de influência francesa) para passar as clasificações que vinham da Alemanha. Na Argentina, o inicio da abertura pela escola alemã fica bem claro com os primeiros laboratórios de anatomia patológica, que ficavam dentro dos hospícios.

De todas estas casualidades entre Brasil e Argentina, ninguém pode arriscar que ter sido por um contato dos dois países num nível académico nem político. No principio do Século XIX, não tinha uma troca de idéias no plano acadêmico. Porém, a evolução das psiquiatrias é tão semelhante que chama a atenção. Tal vez isso aconteceu pela situação dos países, por estar olhando para Europa geograficamente tanto como em questões culturais e académicas. A herança européia pode ser a principal causa da semelhança entre os dois sistemas de tratamento da loucura.

Tem uma demora a apropriação do conhecimento para uma elaboração local?


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