Neurocientista defende novo tratamento para freqüência cerebral anormal

Médico estuda região profunda do cérebro, o chamado tálamo.
Ele compara a relação dessa área com o córtex a uma orquestra.


Dr. Patrick J. Kelly, chefe de neurocirurgia da Universidade de Nova York, cruzou os braços na frente do peito, demonstrando ceticismo.

"Tenho um problema neurológico que nunca contei a ninguém – a nenhuma alma viva", ele lembra ter dito ao colega Dr. Rodolfo Llinas diante de um auditório lotado de neurocirurgiões. "Você ouve meu cérebro e me diz o que é isso. Se você o fizer, vou acreditar em você."

E foi assim que Kelly permitiu que seu cérebro fosse examinado em uma máquina MEG, um aparelho capaz de medir minúsculos sinais magnéticos que refletem mudanças no ritmo do órgão.

Após analisar a atividade cerebral do colega, Llinas anunciou: "Você tem tinido. O som fantasma que você ouve deve ser bastante alto. É de freqüência baixa, um barulho estrondoso."

Kelly ficou impressionado, como contou depois. Ele ouvia aquele barulho desde que serviu em um hospital militar em Danang durante a Guerra do Vietnã. O rugido dos helicópteros que traziam os feridos prejudicou permanentemente sua audição.

Llinas, diretor de neurociência e fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, afirmou acreditar que ritmos cerebrais anormais contribuem para uma variedade de transtornos graves, incluindo mal de Parkinson, esquizofrenia, tinido e depressão. Sua teoria pode explicar por que a técnica conhecida como estímulo cerebral profundo – um implante de eletrodos em regiões específicas do cérebro – geralmente alivia os sintomas de transtorno de movimento como o mal de Parkinson.

A teoria está longe de ser amplamente aceita, e a maioria dos neurocirurgiões afirma que os mecanismos por trás do estímulo cerebral profundo ainda permanecem um mistério. Ainda assim, cirurgiões como Kelly estão empolgados com as pesquisas, afirmando que elas sugerem novos caminhos para o tratamento de uma variedade de transtornos.

"É um mistério para mim por que levou tanto tempo até eu entender o que Rodolfo dizia", contou Kelly. "Gostaria de usar a desculpa de estar muito ocupado. Na verdade, eu era idiota demais para ouvir. Agora, digo aos meus colegas mais jovens: 'Ouçam este homem.' Ele está trabalhando em algo que pode revolucionar a neurocirurgia e nossa compreensão sobre o funcionamento do cérebro".

Llinas, nascido na Colômbia há 73 anos, há muito tempo segue seus instintos.

Ao contrário de neurocientistas que estudam a camada externa do cérebro, ou córtex cerebral, o médico concentrou sua atenção no tálamo, parte intermediária do cérebro. Ele descobriu que cada tálamo, do tamanho de uma noz, tem 30 ou mais núcleos, cada um especializado em um tipo de informação coletada a partir dos sentidos – visões, sons, movimentos, toques externos, sensações internas e assim por diante.

Cada núcleo envia sua mensagem a uma área específica do córtex para um processamento inicial. Em seguida a informação é levada de volta ao talado, onde é associada com outros sentidos. Depois é enviada novamente ao córtex de uma forma rica e multi-sensorial, consistentemente elaborada, reverberando em uma sinfonia de experiências de vida.

O tálamo e o córtex trabalham de forma dinâmica ao passar unidades de informações para frente e para trás, disse Llinas. "Se você pensar no cérebro como uma orquestra, o tálamo é o maestro. Os músicos estão no córtex. Quando o maestro faz um movimento, os músicos obedecem. O maestro então ouve o som produzido por eles e faz novos movimentos, resultando em um diálogo contínuo".

Células no tálamo e no córtex dependem de propriedades elétricas intrínsecas para manter a música tocando. "Grupos de neurônios, aos milhões, agem como pequenos corações batendo por conta própria", explicou Llinas. Eles podem oscilar em múltiplas freqüências, dependendo do que acontece no mundo exterior.

Quando o cérebro está acordado, os neurônios no córtex e no tálamo oscilam na mesma freqüência alta, chamada de gama. "É como um show de dança irlandesa", continuou Llinas. "Algumas células sapateiam em harmonia e algumas estão quietas, criando vários padrões que representam as propriedades do mundo externo. Células com o mesmo ritmo formam circuitos para amarrar a informação em tempo. Essa atividade coerente permite que você enxergue, escute, esteja alerta e tenha a capacidade de pensar".

Porém, no final de um dia, células no tálamo naturalmente entram em uma oscilação de baixa freqüência. Elas arrebentam lentamente em vez de disparar rapidamente. Com o tálamo tocando em ritmo mais lento, o córtex acompanha. Você dorme. Seu cérebro ainda toca em ritmo lento, mas a consciência é suspensa.

Desta forma, se uma parte pequena do tálamo fica permanentemente presa em uma freqüência baixa, ou se parte do córtex não consegue responder à chamada para o despertar, explica Llinas, um ritmo anormal é gerado, a famosa disritmia talamocortical.

"Neurocirurgiões pensam em termos de mudanças anatômicas – buracos no cérebro, inchações, tumores", ele disse. "No entanto, uma freqüência baixa contínua e anormal em uma parte do cérebro pode gerar o que se chama de atrativo. Imagine um furacão. É apenas vento girando ao redor de vento. Mas fazendo isso, apesar de ser feito de ar, ele toma vida própria".

"Uma disritmia talamocortical também tem uma estrutura. Ela é uma coisa. E leva aos sintomas observados em uma ampla variedade de doenças cerebrais".

Llinas afirmou acreditar que esses ritmos perturbados podem ser deflagrados por diversas causas – genes falhos, danos cerebrais, desequilíbrio químico. No caso do colega Kelly, uma pequena porção do córtex auditório foi danificada pelo barulho do helicóptero. Llinas a apontou na máquina MEG – um ponto oscilante, como se estivesse levemente adormecido.

O tinido e outras disritmias podem ser tratadas com estímulo cerebral profundo, drogas ou lesões cirúrgicas minúsculas que trazem de volta ao normal as oscilações cerebrais, ele disse. O objetivo é despertar partes do cérebro que caíram no modo adormecido da baixa freqüência.

No caso do mal de Parkinson, alterações químicas levam partículas do tálamo a um modo de baixa freqüência. Se a parte afetada do tálamo se conecta ao centro motor primário do cérebro, um lento tremor, de quatro ciclos por segundo, aparece. O paciente treme na mesma freqüência do tálamo motor oscilante.

Se a partícula anormal do tálamo se conecta a uma região que planeja os movimentos, os pacientes não podem iniciar nenhum movimento.

Por outro lado, caso a parte do tálamo afetado esteja relacionada a movimentos suaves, o paciente apresenta um aumento do tônus muscular. Tornam-se rígidos.

Llinas afirma que um paciente pode apresentar vários desses sintomas ou somente um, dependendo do local onde ocorre o ritmo anormal. Dessa mesma forma, a função normal pode ser restaurada se agirmos no local certo.

O estímulo cerebral profundo, onde finos eletrodos são implantados diretamente no córtex ou no tálamo, já foi usado em 40 mil pacientes em todo o mundo, a maioria para tratar transtorno de movimento. Hoje está sendo testado para esquizofrenia, epilepsia, síndrome de Tourette, distonia, dor crônica, depressão, dor em membro fantasma e danos cerebrais traumáticos.

Llinas afirma que mesmo com os tratamentos funcionando, eles não devem ser enxergados como uma cura, mas sim como uma forma de aliviar os sintomas. Ele reconhece que muitas coisas podem dar errado: os eletrodos precisam ser colocados no ponto exato, e pelo fato de haver diferenças individuais nas estruturas cerebrais, os cirurgiões podem precisar simplesmente 'adivinhar' que local é esse. Além disso, os fios dos eletrodos podem se romper. Os tecidos podem sofrer infecções.

"Depois, temos de escolher uma freqüência", ele disse. "Se for alta demais, o estímulo pode produzir alucinações ou outros problemas psiquiátricos. Por exemplo, uma mulher não parava de chorar após o procedimento".

Felizmente, concluiu Llinas, o estímulo cerebral profundo é reversível: retire os eletrodos e os efeitos colaterais cessam.

Sandra Blakeslee Do 'New York Times'

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