MORTE

Melancolia (1891) - De Edvard Munch


COMPLEXIDADE DA MORTE



Dissertar sobre a morte é uma tarefa difícil, tendo em vista, a análise de uma realidade irreversível inerente ao mundo dos vivos. A morte sempre chega de surpresa, até mesmo quando o indivíduo encontra-se em estado de saúde delicado, mas, continua lutando pela vida e, de outro lado, a família, bem como os amigos, esperançosos por sua possível recuperação.

No universo racional dos homens, pode-se afirmar que a única certeza da vida é a morte, no entanto, a grande maioria dos homens a temem, e se pudessem adiariam-na convictos.

Para um estudo mais aprofundado sobre o tema da morte, a pretensão das linhas seguintes, é tirar proveito da noosfera responsável pelo pensamento de um dos autores mais destacados do século XX, trata-se de Edgar Morin, o criador da teoria da Complexidade.

Morin revela a complexidade não como a chave do mundo, mas o desafio a enfrentar as questões que atormentam o homem no mundo, haja vista, a dificuldade do mesmo em encarar a realidade da vida.

A definição da Complexidade é:

A Complexidade é um tecido de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. A complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade, apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza... Daí a necessidade, para o conhecimento, de pôr em ordem nos fenômenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de selecionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambigüidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar... (MORIN,2001:20).

E a morte? Na terminologia do léxico significa: o fim da vida, fim, grande pesar. (HOUAISS,2001:303).

Para o autor do complexo, a morte pode ser entendida como objetividade da subjetividade da objetividade. O que quer dizer?

· A objetividade, devemos entendê-la como a tradução do momento em que o indivíduo recebe a notícia da morte, é o impacto;

· A subjetividade, representa a inaceitabilidade do fato, a sua incompreensão;

· A objetividade da subjetividade, é a consciência da irreversibilidade da morte, da sua concretude e sua possível aceitação.

O horror da morte é a emoção, o sentimento ou a consciência da perda de sua individualidade. Emoção-choque, de dor, de terror ou horror. Sentimento que é de uma ruptura, de um mal, de um desastre, isto é, sentimento traumático. Consciência, enfim, de um vazio, de um nada, que se abre onde havia plenitude individual, ou seja, consciência traumática. (MORIN,1997:33).

Mas será que a morte é um fim em si mesma? A morte é cruel, fria, não cede espaço para qualquer tentativa de dialogia, representa um mistério e, tal fenômeno alija o homem de qualquer compreensão humana.

O homem, desde os primórdios dos tempos até a atualidade, esforça-se para tentar explicar a acepção da morte. De um modo geral, a produção científica tem ampliado seu universo de pesquisas frente as facetas do assunto, enfatizando através da transdisciplinaridade, o resultado da simbiose entre as ciências humanas, as ciências médicas e, recentemente, as ciências cognitivas.

Através das propostas teóricas e mesmo práticas, o objetivo do humano é a complacência da finitude do ser. Dessa maneira, a razão do homem, apesar de limitada, formula teorias capazes de proporcionar ao indivíduo uma qualidade de vida mais saudável neste universo em que os paradoxos imperam.

Os paradigmas convivem no cosmo naturalmente, para isso, faz-se necessário um equilíbrio mental ou espiritual, ou ambos, para que o indivíduo possa crer numa lei maior regente no universo, evitando a ruína de sua espécie.

Nas ciências médicas, hoje, independentemente do quadro econômico de cada país, o mundo dispõe a seu favor de tecnologia de ponta para descobrir as causas e efeitos das doenças responsáveis pela aflição da humanidade. As ciências cognitivas estão convictas de que as novas ciências da mente precisam ampliar seus horizontes, inserindo a experiência humana de todos os tempos. Além disso, a ciência, de novo, diferentemente de outras práticas humanas e instituições – encarna sua compreensão em artefatos tecnológicos. No caso das ciências cognitivas, esses artefatos são máquinas de pensar/agir cada vez mais sofisticadas, as quais têm o potencial de transformar a vida cotidiana talvez ainda mais que os livros do filósofo, as reflexões do cientista social, ou as análises terapêuticas do psiquiatra. (VARELA,2003:15).

As ciências humanas, têm produzido em larga escala, material de consistência no que tange pesquisa acadêmica e cultural em prol da humanidade. No entanto, todas incapazes de livrar o homem da morte.

E o que resta então para o ser humano diante da veracidade de sua impotência frente o fim?

Indubitavelmente, não é o fim. O fim está na desistência de continuar vivendo na mesma ambiência em que pairam o desconhecido, o medo, as dúvidas, as incertezas, a ausência de harmonia entre o ter e o ser.


Para conviver com a idéia de sua finitude, o homem precisa acreditar na complexidade de tudo que o rodeia no universo, ampliando sua capacidade de entendimento sobre o significado da tríade: “natureza, espécie e humanidade”.

A complexidade aponta para o elo entre a vida e a morte de maneira estreita, profunda, jamais imaginável no plano metafísico. A morte não é simples, ela mesma aponta para um processo vivido por etapas até que ela própria atinja o almejado fim, são eles:

Início do Morrer /Morte Clínica / Morte Fisiológica /Morte Aparente e Morte Real.

Mesmo assim, o ser humano pode optar em não por um ponto final na finitude. A própria morte ensina como continuar a vida, eis aí mais um paradoxo. Quando alguém morre, as atitudes práticas, burocráticas, financeiras e racionais são providenciadas pelos que “ainda” estão vivos. Destarte, torna-se impossível, para as pessoas presentes nesse habitat a recusa de uma reflexão sobre a sua própria morte.

E, considerando o ato de pensar profundamente sobre a morte, a nossa cultura oferece um leque ampliado de ponderações sobre o assunto. Alguns para se meditar:

“O pensamento da morte não corresponde à imagem da nossa própria morte: O problema da vida é passá-la o mais agradavelmente possível, visto que a morte não é nada para nós”. (MARANHÃO,1992:65/66).

“É desse ponto de vista que Epicuro examinou a morte, e assim tinha toda razão em dizer que a morte não nos concerne”; pois, disse ele que, quando somos, a morte não é, e quando a morte é, não somos mais.“ (SCHOPENHAUER,2003:28).

“Só podemos compreender a humanidade da morte compreendendo a especificidade do humano”. (MORIN,1997:24).

“A consciência realista da morte é traumática em sua própria essência, a consciência traumática da morte e realista da sua própria essência. Onde o traumatismo ainda não existe, onde o cadáver não está singularizado, a realidade física da morte ainda não está consciente”. (MORIN,1997:35).

“A consciência da morte não é algo inato, e sim produto de uma consciência que capta o real. É sópor experiência”, como diz Voltaire, que o homem sabe que há de morrer. A morte humana é um conhecimento do indivíduo.” (MORIN,1997:61).

Esses e muitos outros conjuntos de idéias movem o homem num sentido positivo diante do fenômeno da morte, proporcionando qualidade de vida para a parcela da humanidade adepta ao convite das diversificadas filosofias, cujo intuito é aproximar-se do mistério do “morrer” mesmo sabendo que é indecifrável.

Enfim, a morte, o morrer não deixa brechas para possíveis indagações, é uma experiência una, portanto, o homem só desvenda o segredo quando chegada a sua vez.

Mas, apesar de decisiva, a morte pode ser compreendida, sentida, chorada, de maneira sadia, eficaz,apreendendo do fato as melhores lições de vida e de amor das pessoas que fazem parte do mundo e do universo particular de cada um.





0 comentários: