MIOMAS UTERINOS



Os miomas uterinos segundo sua localização podem ser subserosos, intramural e submcoso



Introdução

Leiomiomas são tumores benignos. Eles surgem no miométrio e contêm quantidade variável de tecido conjuntivo fibroso. Cerca de 75% dos casos são assintomáticos, encontrados ocasionalmente durante exame abdominal, pélvico bimanual ou ultra-sonografia. O sangramento uterino aumentado é a queixa mais comum, podendo levar a anemia.

Os sintomas são relacionados diretamente ao tamanho, ao número e à localização dos miomas. Os subserosos tendem a causar sintomas compressivos e distorção anatômica de órgãos adjacentes, os intramurais causam sangramento e dismenorréia, enquanto que os submucosos produzem sangramentos irregulares com maior freqüência. Além disso, observou-se que esses últimos estão mais associados à disfunção reprodutiva1-3. Extensa e recente revisão da literatura sugere que o leiomiossarcoma é uma lesão isolada; a transformação maligna dos miomas, se houver, é evento extremamente raro4.

O diagnóstico é baseado na história clínica (sinais e sintomas), no toque vaginal bimanual e na ultra-sonografia. A miomatose uterina é a causa mais comum de laparotomia em mulheres americanas, sendo responsável por 175.000 histerectomias e 20.000 miomectomias anualmente5. As abordagens terapêuticas podem ser clínicas (anticoncepcionais orais, progestágenos e antiprogestágenos, análogos do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH), e antiinflamatórios não esteróides) e cirúrgicas (histerectomia, miomectomia e embolização).

Tratamento

Mulheres com miomatose assintomática não necessitam tratamento, apenas acompanhamento e exame ginecológico de rotina, exceto aquelas com miomas muito volumosos ou que provoquem compressão ureteral6,7.

O tratamento das pacientes com miomas sintomáticos deve ser individualizado, levando-se em consideração a idade da paciente (proximidade da menopausa), o desejo de gestação, os sintomas provocados, o tamanho e a localização dos miomas (Figura 1)8. O objetivo do tratamento clínico é o alívio dos sintomas. Como a grande maioria das pacientes com miomatose torna-se assintomática após a menopausa, o tratamento medicamentoso pode tornar os sintomas aceitáveis até a chegada da menopausa, evitando-se os riscos associados aos tratamentos cirúrgicos.

Tratamento Clínico

Anticoncepcionais orais

Quanto aos contraceptivos orais, não há evidência de que sejam efetivos no tratamento de miomas; no entanto, são eficazes para correção do sangramento uterino disfuncional7,9.

Progestágenos e antiprogestágenos

Em função de seu baixo custo e facilidade de administração, são utilizados no tratamento dos distúrbios menstruais disfuncionais, muitas vezes concomitantes à miomatose. Os derivados da 19-norprogesterona apresentam maior efeito antiestrogênico e menor efeito androgênico, trazendo melhora no caso da menometrorragia, tanto quando usados na segunda fase do ciclo, como de forma contínua. O acetato de medroxiprogesterona 150 mg, intramuscular a cada três meses, também é bastante utilizado por causar amenorréia e melhorar a anemia10.

Os progestágenos não são utilizados para diminuir o volume dos miomas. Existem evidências, inclusive, de haver aumento no número e tamanho dos miomas com esta medicação2,11. Agentes como mifepristone, que antogonizam o efeito dos progestágenos nos seus receptores, diminuem o volume dos miomas de forma similar à dos agonistas do GnRH12. Em trabalho recente de Eisinger et al.13, o mifepristone (RU486), em doses de 5 a 10 mg/dia durante um ano, reduziu em aproximadamente 50% o volume uterino total e, diferentemente de outras drogas, a redução se manteve em 42% após cinco meses da suspensão do tratamento13.

O DIU com levonorgestrel tem efeito benéfico no sangramento por miomatose; entretanto, não há redução do volume dos miomas14,15.

Análogos do hormônio liberador das gonadotrofinas

Os análogos do GnRH são medicações efetivas no tratamento clínico, levando à redução de 35-60% do volume dos miomas em três meses. Normalmente, são utilizados no preparo cirúrgico das pacientes, pois, em função dos efeitos colaterais, como perda de massa óssea, distúrbio do perfil lipídico e sintomas climatéricos, não devem ser usados por mais de seis meses. Caso não seja realizada a cirurgia, a interrupção do tratamento com análogos leva ao reaparecimento da doença; por isto, os análogos do GnRH são utilizados primariamente para contemporizar e permitir a recuperação do hematócrito antes da cirurgia. Entretanto, como a suplementação de ferro isolado traz beneficio para um número significativo de pacientes, os custos, os efeitos adversos e a eficácia devem ser avaliados quando se propõe o uso do GnRH no pré-operatório7,8,10.

Antiinflamatórios não esteróides

Estes fármacos são utilizados no tratamento do sangramento vaginal excessivo e dismenorréia; entretanto, não parecem reduzir as perdas sangüíneas em mulheres com miomatose10,16.

Cirurgia

Histerectomia

O tratamento definitivo da miomatose sintomática é cirúrgico8,10. São indicações de histerectomia:

1. presença de sintomas;
2. falha no tratamento clínico associado a sangramento uterino anormal, com prole constituída ou sem desejo de gestação.

Miomas grandes assintomáticos provavelmente podem ficar sem tratamento, pois o risco do tratamento de um leiomiossarcoma é menor do que a mortalidade pela histerectomia4,5,17.

As pacientes que optam pela histerectomia relatam melhora na qualidade de vida e têm índices de satisfação melhores do que em outros tratamentos18. Recente revisão da biblioteca Cochrane avaliou as diferentes formas de histerectomia realizadas para tratamento de doença benigna do útero: histerectomia abdominal (HA), histerectomia vaginal (HV) e histerectomia videolaparoscópica (VLPC) que pode ser realizada totalmente pela via laparoscópica ou ser assistida pela via vaginal19. Como resultado, a HV, em comparação à HA, demonstrou ter menor tempo de internação hospitalar, menor tempo para retorno às atividades laborais e menor incidência de infecções. A comparação da abordagem VLPC à HA favoreceu a primeira em tempo de internação hospitalar, retorno ao trabalho e menos episódios febris; no entanto, na VLPC houve significativamente mais lesão do trato urinário. A histerectomia VLPC não se mostrou superior à HV. Nesta revisão sistemática os estudos foram heterogêneos e aspectos de complicações e resultados a médio e longo prazo não foram contemplados.

A escolha da melhor abordagem para histerectomia baseia-se em diversos fatores, incluindo: características clínicas das pacientes, úteros com até 500 cm3, habilidade e experiência do cirurgião, técnica de maceração dos miomas, e morbidade e custo associados com o procedimento7,20. A mortalidade total por histerectomia é de 0,5-2 por 1.000, e em 1,5 a 2% dos casos ocorrem lesões viscerais. Deve ser lembrado que as complicações cirúrgicas são mais comuns nas mulheres operadas por miomatose e que diminuem com a idade da paciente.

Outra discussão ainda remanescente é da histerectomia total versus subtotal. Esta última, por deixar o colo uterino, é muito mais rápida e têm significativamente menos complicações. Na década de 80, esta técnica ganhou muitos adeptos, após a publicação de Kilkku, que demonstrou menores taxas de dispareunia após a histerectomia subtotal em comparação à total21. Em 200222, ensaio clínico randomizado avaliou que as duas técnicas tinham resultados similares quanto a todas as funções pélvicas (urinária, evacuatória e sexual). A histerectomia subtotal apresentou melhor recuperação a curto prazo e menos intercorrências febris de curto prazo; entretanto, mais sangramento (devido a endométrio residual) e prolapso cervical22. Gupta e Manyonda18 argumentam que a histerectomia subtotal, nesta época de freqüentes litígios contra os médicos, continuará sendo realizada. Acreditamos que a prevalência de carcinoma de colo uterino e a baixa cobertura do rastreamento em nosso país devam ser levadas em consideração na tomada de decisão quanto à histerectomia total ou subtotal.

Miomectomia

A indicação de miomectomia dependerá do desejo da paciente de manter a fertilidade e o útero. É importante ressaltar que a recorrência de miomas é estimada entre 15-30%, sendo que 10% das mulheres necessitam uma nova intervenção6,7. A miomectomia pode ser laparotômica, por via vaginal, laparoscópica ou histeroscópica, dependendo da localização, do tamanho e do número de miomas a serem retirados12. As complicações relacionadas ao procedimento aumentam com o número de miomas. O risco de recorrência é menor quando apenas um mioma está presente e é retirado7. Miomas protruindo pelo orifício cervical externo são retirados por via vaginal.

Histeroscopia atualmente é a melhor forma de abordagem dos miomas submucosos8,23. A remoção de miomas submucosos pediculados é relativamente fácil. Os submucosos com componente intramural ou os intramurais com compressão do endométrio e distantes da serosa também podem ser abordados por via histeroscópica, necessitando ocasionalmente mais de uma intervenção16.

Embolização

A embolização da artéria uterina (EAU) tem sido utilizada para tratar uma série de problemas hemorrágicos em ginecologia e obstetrícia, sendo também uma opção conservadora para pacientes com miomas sintomáticos que têm contra-indicação ou não desejam se submeter aos riscos cirúrgicos12,24. A embolização da artéria uterina causa infarto do mioma, reduzindo seu tamanho em 50% e a sintomatologia em 85% dos casos25,26.

Edwards et al.24, em ensaio clínico randomizado recentemente publicado, compararam histerectomia à embolização de miomas sintomáticos. Os resultados demonstraram que as pacientes que realizaram EAU tiveram alta hospitalar significativamente mais cedo do que as submetidas à histerectomia. Entretanto, o grau de satisfação um ano após os procedimentos não diferiu entre os grupos. A longo prazo, as pacientes com EAU tiveram mais intercorrências e, em 10% delas, foi realizada histerectomia posteriormente.

As indicações para EAU não estão claramente definidas. Mais estudos são necessários para determinar qual localização, o tamanho e o número de miomas ideal para melhor resposta a esta terapêutica. Ainda não existem dados suficientes para concluir que a EAU é um procedimento seguro para mulheres que desejam preservar a fertilidade. Mesmo que alguns nascimentos tenham sido relatados, a incidência de trabalho de parto prematuro, abortamento e sangramento e a taxa de gestação não foram adequadamente estudadas27,28.

As complicações associadas ao procedimento incluem dor abdominal, febrícula, infecção, expulsão do mioma, necessidade de histerectomia após o procedimento (1 a 2%) e mortalidade de 0,1 a 0,2 por 1000 procedimentos8,20,28.

Infertilidade

Os miomas estão associados à infertilidade em 5 a 10% dos casos. Entretanto, quando todas as causas de infertilidade são excluídas, os miomas são responsáveis por apenas 2 a 3% dos casos29.

Estudo prospectivo com 46 mulheres com miomas que realizaram fertilização in vitro com transferência de embriões mostrou taxas de gestação e implantação semelhantes a um grupo de 50 mulheres sem miomatose uterina, quando os miomas não distorciam a cavidade endometrial5.

Pacientes com dificuldade de gestação e miomatose devem inicialmente realizar toda a investigação para infertilidade29. Devem ser tratadas as pacientes inférteis com alteração da cavidade endometrial30. Alguns autores recomendam tratamento de miomas intramurais maiores que 7 cm (23); entretanto, isto persiste controverso30, devendo ser individualizados5.

Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Print version ISSN 0100-7203

Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.29 no.6 Rio de Janeiro June 2007

doi: 10.1590/S0100-72032007000600008


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