Estudo da USP sobre vacina antiaids sai em revista internacional

Imunizante de cientistas brasileiros é o primeiro a mirar ‘trechos fixos’ do HIV.
'HIVBr18' é tema de artigo publicado na prestigiada PLoS ONE.


Um artigo apresentando as descobertas de um grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) foi publicado nesta sexta-feira (11) na prestigiada revista científica PLoS ONE. O trabalho, noticiado pelo G1 em outubro do ano passado, desenvolve uma vacina contra o vírus da Aids baseado em um plano só testado no Brasil.

A PLoS ONE é uma publicação eletrônica com revisão por pares (peer review) e de acesso aberto, muito influente.

De aproximadamente 200 conceitos de imunizantes anti-HIV imaginados ao longo de 25 anos de luta contra a doença, o desenho da HIVBr18 é o único que mira “regiões conservadas” do vírus – trechos que não passam por mutações. Com a identificação desses alvos fixos, o imunizante brasileiro pode chegar a ser mais eficaz do que os quase 30 que passam hoje pelo crivo dos ensaios clínicos.

A patente da HIVBr18 foi depositada no Brasil em setembro de 2005, e nos Estados Unidos e na União Europeia em 2007.

Daniela S. Rosa, Edecio Cunha-Neto, Susan Ribeiro e Eliane Mairena no Laboratório de Imunologia Clínica e Alergia da USP (Foto: Daigo Oliva / G1, outubro de 2009)Daniela S. Rosa, Edecio Cunha-Neto, Susan Ribeiro e Eliane Mairena no Laboratório de Imunologia Clínica e Alergia da USP


O trunfo do HIV é que o vírus é um fujão profissional porque passa por muitas mutações. E ninguém até agora havia conseguido identificar e alvejar seu calcanhar de Aquiles. Com isso, os cientistas acabavam se deparando com a situação inglória de gastar anos de estudo e muito dinheiro para criar um arsenal que só funciona em um alvo e, na hora H, perceber que o alvo já virou outra coisa, na qual o míssil não faz nem cócegas. Assim, as vacinas já testadas fracassaram porque foram tapeadas pelo agente causador da Aids. Funcionaram em alguns casos, mas não foram reconhecidas em outros tantos.

As “velhas estratégias” para lidar com esse pesadelo obedecem a duas premissas clássicas: elas usam proteínas inteiras do HIV e se concentram em gerar linfócitos T do tipo CD8 citotóxico, o pelotão de fuzilamento de células infectadas. Os pesquisadores da USP, sob coordenação de Cunha-Neto, resolveram identificar os trechos permanentes ou "fixos" do HIV por meio de um software – acharam e testaram 18 fragmentos – e embuti-las artificialmente em uma “vacina de DNA”.

Um algoritmo identificou, a partir de uma base de dados, regiões conservadas que se ligam à maioria dos tipos de HLA de classe 2 (os antígenos leucocitários humanos, moléculas capazes de estimular uma resposta imune que variam muito de pessoa para pessoa). Esses segmentos protéicos foram então fabricados. Foram produzidos 18 peptídeos que, no conjunto, pegavam todos os HLA mais comuns na população.

Testada com 30 pacientes soropositivos, 91% reconheceram as iscas. O objetivo buscado aqui foi, teoricamente, melhorar a cobertura vacinal em populações geneticamente heterogêneas, ou seja, fazer com que mais pessoas desenvolvessem respostas imunes contra o HIV após receber a vacina.

Linfócito T CD4
Além disso, a equipe decidiu investir em outro linfócito T, o do tipo CD4. Não adianta muito ativar o CD8 e só, porque ele é inapelavelmente dependente do CD4 para ser gerado e subsistir com capacidade destruidora. Sem o CD4, o CD8 tem curta duração. O CD4 não era alvo nos conceitos tradicionais de vacina, segundo Cunha-Neto.

Com a incorporção da pesquisadora Daniela Rosa, a pesquisa ganhou novo impulso. Foi então que as 18 sequências foram colocadas em um plasmídeo, um anel de DNA. Na verificação de magnitude após a injeção, os testes indicaram uma alta proliferação e produção de citocinas, as proteínas que funcionam como mensageiros para ajudar na regulação de uma resposta imune. Já na checagem de amplitude em camundongos transgênicos parcialmente "humanizados", 16 das 18 sequências foram reconhecidas.

Os oito anos, até agora, da jornada para viabilizar a HIVBr demandaram financiamento da Fapesp, do Programa Nacional DST/Aids do Ministério da Saúde, do CNPq através do INCT-Instituto de Investigação em Imunologia, e do Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia (Itália).



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