Sexualidade e Envelhecimento: Modificando Conceitos

Arnaldo Risman-isman@risman.psc.br

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A sociedade, no decorrer do tempo, desenvolveu diversos campos do saber, incluindo vários núcleos específicos da ciência. A Medicina, com o aumento das pesquisas, no século XX, obteve diversos avanços em relação às vacinas, medicações e cirurgias, fazendo com que o ser humano tivesse um prolongamento de sua vida de forma mais positiva.

A área tecnológica cresceu em sua potencialidade, possibilitando ao homem chegar à lua, conquistando e quebrando, assim, barreiras que anteriormente eram consideradas impossíveis de serem ultrapassadas. Na comunicação, o que mais se desenvolveu foi a Informática, fazendo com que a troca de informações e sua rapidez facilitassem o aumento do conhecimento sobre as questões científicas. Grandes centros educacionais foram criados para que a educação tivesse um núcleo específico de estudo e pesquisa, facilitando o crescimento da sociedade e do homem.

Mesmo ocorrendo o desenvolvimento nestas áreas e, talvez, em outras, não parece que as normas, conceitos, preconceitos, criação de mitos, crenças e formação de estereótipos tivessem o mesmo movimento positivo em outras questões na vida do ser humano, como, por exemplo, na sexualidade.

A sexualidade, diante da sua história no desenvolvimento da humanidade ocidental, sempre esteve exposta à grande influencia de mitos e preconceitos. Diante de tantos tabus, a sociedade continua com dificuldades em lidar com a questão da sexualidade, principalmente, no que se refere ao idoso. As atitudes negativas diante do grupo de idosos possuem, em relação à sua manifestação do desejo ou da atividade sexual, vem das normas de comportamento existentes nos séculos anteriores.

Pode-se verificar a existência dessa visão de “inércia sexual na velhice”, ainda no final do século XX, através de um livro escrito por Max Sussol (s.d.), intitulado: “O que se pode fazer sexualmente após os 80 anos?”, no qual suas páginas encontram-se completamente vazias, demonstrando assim uma percepção negativa e irônica da sexualidade na idade avançada. Mas, o que é espantoso, é que o livro foi comercializado em um congresso mundial de sexualidade humana, realizado em 1993, no Rio de Janeiro.

Este livro, na verdade, reforça a existência de estereótipos relativos à degeneração do idoso, como se, ao chegar a uma determinada idade, o homem tivesse a perda de todos as suas funções afetivas e musculares.

Contrapondo-se a esta questão, verifica-se que, em 1940, na cidade de Lisboa, era lançado um livro chamado “A fisiologia do sexo”, escrito por Kenneth Walker (1954), onde o autor comenta abertamente sobre a existência do desejo, do impulso e da manifestação da sexualidade na velhice.

Observa-se, assim, a luta entre perceber o idoso como um ser capaz de exercer a sua sexualidade sem preconceitos e, por outro lado, reforçar a degeneração do idoso através das páginas em branco.

Na existência de percepções positivas e negativas na fase da velhice, Libman (1989) comenta que, atualmente, os gerontologistas estão trabalhando para a quebra ou diminuição dos preconceitos de conotação negativa e dos estereótipos que são atribuídos aos idosos, como o de serem degenerativos.

Ainda segundo a autora, é importante tomar cuidado, pois nesses combates podem surgir os chamados “contramitos”, que são imagens superotimistas do idoso, igualmente não realistas. Neste caso, o importante não é a criação dos “contramitos” e, sim, demonstrar e permitir que o idoso manifeste sua sexualidade sem culpa, sem considerar que esta atitude ou sentimento seja percebido como anormais.

Para Damrosch (1985), esses sentimentos de anormalidade diante de seus desejos sexuais podem prejudicar o comportamento dos idosos e acrescentam que: “as atitudes culturais que denigrem a idade... prevalecem tanto que há um número inimaginável de indivíduos idosos que sentem ser algo anormal expressar as necessidades sexuais” (p. 852)

Ainda segundo os autores citados acima, a sociedade continua a reforçar, de maneira brutal, a assexualidade na velhice, e citam Lief, que afirma: “A nossa cultura foi, e continua largamente sendo... anti-sexual em relação ao idoso” (p.852)

Um dos grandes problemas para a permanência dessa percepção da assexualidade do idoso está ligado aos modelos de referências que as pessoas adquirem no decorrer da vida.

Estes modelos de referências, como diz Libman (1989), estão voltados normalmente para o que a sociedade classifica como adequado à faixa etária em que o indivíduo está. Neste caso, os idosos, automaticamente, acabam rotulando-se também como tendo um grupo de características negativas, uma vez que as pessoas de meia-idade já estão apresentando dificuldades sexuais, sem verificar suas próprias potencialidades.

A autora ainda salienta que:

“se, de fato, as pessoas idosas escolhem modelos de referências inapropriadas, a subseqüente confusão da autoimagem pode ser particularmente pertinente na sexualidade nos anos mais avançados, muito por causa da literatura popular sobre as pessoas acima de 60 anos, que assumem que os indivíduos no envelhecimento são assexuados ou que o interesse no comportamento sexual nesta categoria de idade é inapropriado.” (p.561)

Os modelos de referência prejudicam não só ao idoso, como também aos mais jovens, que acabam adquirindo conceitos e atitudes relacionados à sexualidade muito rígidos. Tais modelos não só interferem na sexualidade do jovem, como também, fazem-no acreditar, muitas vezes, que ele próprio não terá necessidades sexuais, quando atingir a velhice.

Sobre a visão do jovem em relação à sexualidade na idade avançada, foi realizada uma pesquisa por Cameron (1970. Apub. LUDEMAN, 1981) onde o pesquisador constatou através de uma amostra de 317 pessoas, entre homens e mulheres de idades que variavam entre 18 a 79 anos, que independente da idade, os idosos foram considerados estando abaixo da média, nos seguintes aspectos: 1- desejo para o sexo; 2- habilidade para desempenhar a sexualidade; 3- capacidade para o sexo; 4- freqüência de atividades sexuais e 5- oportunidades sociais para a freqüência.

Outra pesquisa que confirma os dados de Cameron (1970) foi a realizada por La Torre; Kear (1977. Apub. LUDEMAN, 1981), na qual avaliaram as atitudes a respeito do desempenho sexual dos idosos, considerando, para a classificação, as reações das pessoas frente às histórias. Neste trabalho, participaram 80 estudantes universitários e 40 enfermeiros domiciliares, os quais leram e classificaram três histórias em oito escalas comparativas.

As histórias de cunho sexual, onde os personagens eram idosos, foram avaliadas pelos profissionais, como mais imorais do que as histórias nas quais os protagonistas eram jovens, principalmente se os personagens estivessem envolvidos numa cena ou situação de coito. Através da avaliação, ficou constatado também que a relação sexual, envolvendo o coito propriamente dito, entre os idosos, era vista com menos credibilidade do que a masturbação.

A pouca credibilidade na ocorrência de relações sexuais em oposição à masturbação pode ser interpretada como um fator, um sustentáculo para a teoria do desengajamento do idoso das práticas sexuais, afirmando, assim, ser normal e desejado que ele se retire, se afaste tanto da sociedade, como das atividades sexuais.

Os dois estudos comentados acima fornecem dados que indicam que a prática sexual entre pessoas idosas parece ser tão indefensável quanto inverossímil. Essas representações aparecem tanto nos conceitos dos jovens como no dos próprios idosos, que participaram das pesquisas, incluindo também os profissionais que trabalhavam com pessoas de idade avançada.

É o jovem, entretanto, quem mais abertamente preconceitualiza a sexualidade do idoso, ridicularizando qualquer manifestação sexual dos mais velhos.

Em palestras e reuniões para adolescentes e jovens adultos, quando é mencionado o trabalho de expandir o conhecimento sobre o comportamento sexual das pessoas de idade avançada, o retorno é de deboche, ou até mesmo colocações como: “Eles não fazem mais nada!”; “Oferecer informações para quem não exercita a maravilha do sexo!?”, entre outras.

Através dessas expressões, observa-se o grau de preconceitos e estereótipos negativos que os mais jovens possuem em relação aos idosos, como também sobre si mesmos, já que, futuramente, eles farão parte do grupo de Terceira Idade, quando estarão presos aos seus próprios conceitos e preconceitos.

Neste sentido, Vasconcelos (1994a) comenta, muito claramente, esta questão, declarando que:

“É preciso preparar-se para ser um velho autônomo, desde a juventude. Possivelmente, muitos velhos temerosos tenham sido jovens preconceituosos sexualmente. Jovens que prepararam uma velhice ruim para eles mesmos. Afinal, velhice é continuidade de uma mesma existência.” (p.50)

Com este tipo de movimento, é necessário concordar com Tajfel (1982), quando diz que: “A estereotipia deveria ser vista como um aspecto do método ridículo que nós utilizamos para depreciar aquilo que receamos” (p.161). Neste ponto, é necessário que a sociedade reflita seus conceitos básicos sobre o comportamento sexual. Questionando profundamente as suas próprias atitudes referentes a essa questão.

Não se deve admitir que, quase no século XXI, o homem possua um conceito tão arcaico sobre sexualidade, isto é, depositando nela somente o papel de procriação. E, não só isso: acreditando, também, na existência da sexualidade somente durante um período finito e determinado da vida do ser humano.

Sobre esta forma de verificar a manifestação da sexualidade como uma conduta condicionada a um determinado papel, Vasconcelos (1994a) salienta que:

“Quando se pretende que só há uma forma de desenvolver a sexualidade e que esta forma está condicionada a uma fase da vida, está-se dando prova de uma ignorância existencial diante das estações da existência e do desenvolvimento dela. Ignora-se que a sexualidade madura tem seu ritmo próprio e sua manifestação peculiar e que esse fruto está ali para ser colhido e saboreado em sua estranha doçura.” (p. 48)

Mesmo que na sociedade, a sexualidade seja representada em um quadro de condicionamentos culturais, e restrita a um período preestabelecido, limitando-se ao período reprodutivo, verifica-se que, entre os idosos, existe uma diferença importante e positiva que os diferenciam dos mais jovens.

Enquanto estes jovens estão presos aos papéis sexuais reforçados pela nossa cultura, isto é, ao casamento, a ter filhos, criá-los e educá-los, os idosos já estão libertos desses estereótipos, ou seja, de comportarem-se sexualmente apenas para este fim. Se não fossem as limitações impostas e auto-impostas, as possibilidades sexuais dos idosos estariam muito mais amplas e livres para manifestar-se.

Vasconcelos (1994b) salienta esta questão, quando comenta que: “Os mais velhos já passaram por isso e já devem ter percebido que a libido propriamente não tem sexo e podem, mais facilmente do que os jovens deixarem-na manifestar-se, seja hetero, homo ou auto-eroticamente” (p.49).

A liberdade de expressar o desejo sexual, ou simplesmente liberar a energia existente dentro de cada ser humano, não é tão fácil de ser conseguida, até mesmo de forma auto-erótica. Para demonstrar a existência dessa energia e da dificuldade de expressão do desejo sexual, Werlang (1989) realizou uma análise sobre um texto de Clarice Lispector, intitulado “Ruídos de passos”, de 1974, onde a autora relata a angústia de uma idosa diante de seu desejo sexual.

Percebendo a importância do texto, resolvemos transcrevê-lo para enriquecer o nosso trabalho através de sua análise.

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